"A pedido da Petrobras, a Polícia Civil paulista quebrou o sigilo criminal de milhares de pessoas que tentaram emprego na estatal ou em suas subsidiárias durante um período de pelo menos dez anos, de 2000 e 2009.
Em relatório ao qual à Folhateve acesso, a Corregedoria da Polícia Civil diz que a prática, chamada de ‘ilegal’ pelo órgão, atingiu 4.000 pessoas por mês no período, em média.
Segundo a investigação, só de janeiro de 2008 a julho de 2009, a Divisão de Capturas passou à Petrobras fichas criminais de 70.499 pessoas.
A conclusão do delegado José Ferreira Boucinha Neto, da Corregedoria, é a seguinte: as pessoas ‘tiveram sua vida pregressa devassada de forma irregular e ilegal de modo a atender única e exclusivamente aos interesses empresarias da Petrobras’.
Funcionários da estatal negam ter havido pagamento em troca de dados. Mas dizem que a Petrobras ajudava a Divisão de Capturas doando material de escritório.
Houve ainda doação de passagens aéreas ‘para a remoção de presos’ dentro do país, segundo depoimentos.
A investigação agora tenta descobrir se essas passagens foram usadas realmente no serviço policial -a apuração corre em inquérito separado.
Foram os próprios policiais da Divisão de Capturas que denunciaram a ‘parceria’, em meados de 2009.
Eles disseram sofrer ameaças de transferência caso não fizessem as pesquisas.
Cinco integrantes da Divisão de Capturas foram ouvidos pela Corregedoria a fim de ‘justificar a quantidade de pesquisas efetuadas em suas senhas individuais’. (…)
A chefe do setor de meios da Divisão, Mara Elisa Pinheiro, admite que recebia pedidos da estatal federal e os distribuía para pesquisa.
Quando um nome consultado tinha problemas com a polícia ou a Justiça, sua "capivara", como é conhecida a ficha criminal popularmente, ou DVC (ficha na Divisão de Vigilância e Capturas) era impressa e entregue aos funcionários da Petrobras.
Essa prática, segundo o próprio relatório, fere os artigos 202 da Lei de Execuções Penais e o 748 do Código Penal. Em resumo, a legislação diz que os dados criminais sigilosos de uma pessoa só podem ser acessados por policiais (em favor do serviço) ou pela Justiça, em processos envolvendo o interessado”.
O artigo 202 da LEC (Lei de Execuções Criminais) diz duas coisas diferentes:
- “Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”
Isso significa que a pessoa sentada aos seu lado no trabalho neste momento pode ter cumprido uma pena de 30 anos por diversos homicídios, mas se ela já havia terminado de cumprir todas as penas no dia que pediu a certidão de antecedentes criminais, essas condenações não vão estar lá.
Mas reparem que a lei não proíbe claramente a polícia de emitir esses atestados sem o pedido da pessoa sobre o qual ele fala. O que a lei diz claramente que ela não pode fazer é incluir nesses atestados qualquer referência a crimes cujas penas já foram cumpridas ou crimes que não podem mais ser punidos. Isso também implica que, se a pessoa ainda está cumprindo a pena (por exemplo, está em liberdade condicional), isso constará na certidão de antecedentes criminais da pessoa. Ou seja, essa informação é pública.
Segundo, a informação sobre os antecedentes da pessoa – ainda que a pessoa já tenha cumprido a pena - não é apagada da memória. Essa informação pode ser usada tanto pela policia na investigação de outros crimes como pela justiça no julgamento da pessoa.
A lógica da lei é simples: se você cometeu um crime mas já pagou por ele, você já não deve mais nada à sociedade e, por isso, as pessoas não precisam saber que você era um criminoso. Isso não quer dizer que as instituições responsáveis por proteger a sociedade não terão acesso às informações a respeito de seu passado, especialmente se houver suspeita que você voltou ao mundo criminoso.